Resenha: Deus Me Livre

LIVRO: Deus Me Livre 

ANO DE LANÇAMENTO: 1984

AUTOR: Luiz Puntel 

EDITORA: ÁTICA 

NÚMERO DE PÁGINAS: 96

CLASSIFICAÇÃO: ☆☆☆☆☆

Sinopse: Tinho torna-se o centro do conflito entre especuladores e os moradores do Beco, região pobre da cidade disputada por interesses imobiliários. Uma trama do subúrbio e com um enfoque social muito aplicado.

Olá, caros leitores e caríssimas leitoras! Como estão?  Hoje é dia de resenha por aqui! Vem conferir!

Publicado em 1984, Deus me Livre!, de Luiz Puntel, inscreve-se com propriedade no fecundo universo da Série Vaga-Lume, evidenciando, de maneira pungente, as complexas questões sociais e políticas que marcaram o Brasil da década de 1980. A narrativa se desenrola em um espaço altamente simbólico: o "Beco do Deus-Me-Livre", uma comunidade marginalizada, enclavada entre dois bairros abastados da fictícia cidade de Ribeirânia. Este cenário, simultaneamente concreto e alegórico, constitui elemento crucial para a apreensão dos embates de classe e das tensões sociais que atravessam a obra.

Narrado em primeira pessoa por Walter — ou Tinho, como é afetuosamente chamado na comunidade — o romance delineia o percurso de um adolescente íntegro, carismático e devoto leitor de histórias em quadrinhos, cuja existência toma um rumo inesperado ao se ver, ainda que de forma involuntária, envolvido em um episódio de violência. Na tentativa de frustrar um assalto à Faculdade de Medicina, Tinho acaba sendo injustamente acusado, passando de herói circunstancial a principal suspeito.

É justamente nesse ponto que a obra revela uma de suas maiores virtudes: o entrelaçamento entre o despertar da consciência juvenil e a politização gradual do sujeito. A acolhida por parte do padre Bernardo no Colégio Santa Inês, bem como o contato com o coletivo Movidapaz — formado por jovens sob a orientação de um professor engajado —  oferecem a Tinho não apenas abrigo, mas também um novo horizonte de compreensão. Ao compartilhar sua versão dos fatos, radicalmente distinta daquela veiculada pelos meios de comunicação, desencadeia-se uma investigação colaborativa que desvela camadas mais profundas de corrupção e violência institucionalizada.

Embora sua tessitura narrativa possa, à primeira vista, parecer simples — a trajetória de um jovem oriundo da periferia que busca resguardar-se enquanto tenta elucidar uma injustiça —, a obra se sobressai pela fluidez estilística e pela acuidade com que Luiz Puntel captura a oralidade e o dinamismo próprios do universo juvenil. A linguagem, ao mesmo tempo acessível e envolvente, não dilui a densidade temática; ao contrário, a leveza formal serve de veículo para uma crítica social discreta, porém contundente.

Destacam-se também, na edição original, as ilustrações que, embora esparsas, desempenham função ambígua: ora parecem preencher lacunas gráficas, ora colaboram com a imaginação do leitor. Sua função exata permanece indefinida —o que, paradoxalmente, enriquece a experiência estética do texto.

Como é característico da Série Vaga-Lume, Deus me Livre! foi concebido também com propósitos pedagógicos, acompanhado de um suplemento de atividades. Essa dimensão educativa, contudo, não compromete sua força literária; antes, reforça sua vocação formativa, sobretudo na promoção do pensamento crítico entre jovens leitores.

Em resumo, DEUS ME LIVRE transcende a classificação de romance juvenil de aventura e mistério. Trata-se de um retrato sensível, vibrante e provocador de um Brasil atravessado por desigualdades estruturais, narrado a partir do olhar de um jovem que se recusa a ser silenciado. Com vigor narrativo e aguçada consciência social, Luiz Puntel oferece ao público uma obra que, mesmo após quatro décadas de sua publicação, permanece atual, relevante e profundamente necessária. É isso! Até a próxima postagem!