LIVRO: Cem Noites Tapuias
ANO DE LANÇAMENTO: 1986
AUTORA: OFÉLIA E NARDAL FONTES
EDITORA: ÁTICA
NÚMERO DE PÁGINAS: 109
CLASSIFICAÇÃO: ☆☆☆☆☆
Sinose: É uma narrativa que aborda o conflito entre garimpeiros e índios, no Mato Grosso. Quincas Venâncio é o pai de Quinquim que, junto com a professora, uma “bugra”, foi raptado pelos índios xavantes. A narrativa do rapto e do resgate dos dois se apresenta paralela a uma série de histórias contadas por Joana, a bugra-professora, para tentar amenizar o sofrimento da criança. São mitos e lendas indígenas, em que as lições de comportamento tornam-se exemplares. Durante as cem noites em que passam presos, são contadas histórias pertencentes ao folclore brasileiro, incluindo o mito do saci, explorado anteriormente por Lobato, e aventuras de animais típicos da fauna brasileira, como a anta. São também incluídas nas histórias trechos de cantigas e quadrinhas típicas do folclore nacional, fato enriquecedor da narrativa, que além da história de Quinquim traz ao leitor o conhecimento de elementos de sua cultura, sob a forma agradável da literatura de entretenimento.
Olá, caros leitores e caríssimas leitoras! Como estão? Hoje é dia de resenha por aqui! Vem conferir!
CEM NOITES TAPUIAS, esse curioso livro inserido na venerável Coleção Vaga-Lume — tão estimada pelos espíritos juvenis, embora não desprovida de substância para mentes mais amadurecidas — apresenta-se como uma obra de engenhosa tessitura narrativa. Seu artifício de entrelaçar duas histórias — uma principal e outra de índole das fábulas — evoca, com elegância e erudição, os longínquos contos de As Mil e Uma Noites, nos quais realidades se dobram umas sobre as outras como véus sucessivos ao vento.
No âmago da narrativa reside Quincas Venâncio, homem do garimpo, viúvo de antiga dor, que, com mão firme mas coração inquieto, cria solitariamente seu filho Quinquim em um recanto apartado da civilização. A ausência da figura materna pesa sobre o menino como uma névoa persistente, e tal carência o impele, sem que ele o saiba, à senda de uma jornada que, se por um lado se tece com a rudeza da perda, por outro é bordada com fios de esperança e amadurecimento.
O enredo adquire feições ainda mais vibrantes quando Quinquim e a professora Joana Borora — essa mulher de saber, fibra e ternura — são capturados por membros da nação Xavante. A narrativa que então se desdobra não é meramente de perseguição ou resgate, mas de travessia entre mundos, uma viagem que busca o entendimento entre tradições que, embora distintas, não se excluem.
Com notável argúcia, as autoras rejeitam o maniqueísmo fácil. Os indígenas não são sombras a temer, mas seres dotados de cultura viva, de hábitos e concepções de mundos próprios, revelando uma humanidade tão plena quanto a dos que se consideram CIVILIZADOS. Nesse contexto, a figura de Joana Borora resplandece como mediadora e símbolo de entrega — sua escolha de sacrificar-se em prol dos alunos brilha como ato de nobreza incomum.
Entre os elementos mais encantadores encontra-se a fábula do jabuti Carumbé, o pequeno herói que, impelido por estranha urgência, parte em busca do mítico Fim do Mundo. Essa narrativa paralela, ainda que revestida de candura, encarna uma metáfora rica e poderosa. Carumbé, em sua lerdeza determinada, reflete o próprio Quinquim, ambos lançando-se rumo ao desconhecido com passos hesitantes, mas corações decididos.
O ritmo da obra é dosado com maestria, oscilando entre a contemplação e a ação, entre o silêncio das matas e o clamor das emoções humanas. As autoras manejam bem o suspense, ora nos levando às profundezas da aldeia, ora ao fervor do grupo de busca, como quem alterna luz e sombra em tapeçaria viva. Se algumas resoluções se inclinam ao idealismo — como o desfecho conciliatório entre culturas ou a união matrimonial entre Quincas e Joana, que surge com celeridade —, não destoam da proposta da obra, cujo espírito é de esperança e concórdia.
Em resumo, CEM NOITES TAPUIAS é uma ode ao entendimento entre mundos, um tributo à palavra falada, à escuta atenta e à travessia amorosa entre diferenças. Seu valor transcende a categoria infantojuvenil: é um relicário de ensinamentos sobre empatia, convivência e a dignidade das narrativas que nascem da terra, da dor e do sonho. Uma leitura que, como os melhores contos antigos, permanece viva no espírito muito tempo após a última página ser virada. É isso! Até a próxima!

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